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7 coisas que aprendi sobre migração


7 coisas que aprendi sobre migração fazendo trabalho voluntário

Um dos grandes problemas da história das relações internacionais é a questão migratória, que sempre opôs os favoráveis, baseados no elemento humanitário, e os desfavoráveis, preocupados com perda de emprego e aumento da violência, mediante manifestações habitualmente xenófobas.

O Brasil é um país forjado por estrangeiros. Primeiramente através da colonização e escravidão e, depois, pela migração, sobretudo a partir do século XIX, quando italianos e alemães vieram em massa para o Brasil, e após as duas Grandes Guerras, ao servirmos de refúgio para muitos que escapavam dos horrores de uma Europa destruída. Importante salientar também a forte presença japonesa e árabe no país a partir do início do século XX.

Os fluxos migratórios brasileiros da atualidade, entretanto, mudaram bastante de perfil, distanciando-se da Europa e da Ásia e tomando um rumo mais periférico, como países africanos e das Américas do Sul e Central.

Porto Alegre é a terceira cidade que mais recebe imigrantes no Brasil. Eram 3,7 mil em 2018, segundo estima a prefeitura da capital gaúcha. Muitos deles são atendidos pelo Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, o CIBAI Migrações, entidade vinculada à Missão Pompeia e mantida pela Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, da Igreja Católica.

Realizo trabalho voluntário lá desde o início deste ano. O CIBAI é geralmente a primeira parada do imigrante em Porto Alegre, pois é onde recebe acolhimento, orientação, apoio emergencial para se estabelecer na cidade, como roupa, comida e até moradia temporária em casos extremos, além do suporte para regulamentação da documentação e na busca por emprego, que são as maiores demandas. Através de parceiros e voluntários, o Centro também oferece cursos de português e profissionalizantes.

Quer conhecer um pouco mais do trabalho realizado pelo CIBAI, siga a Missão Pompeia no Facebook.

Apresentado um pouco o trabalho realizado pelo CIBAI e o perfil migratório brasileiro atual, vamos ao que aprendi sobre migração fazendo trabalho voluntário:

1. Os imigrantes não irão roubar o seu trabalho

É claro que um aumento na oferta de força de trabalho sempre incide na demanda, estimulando a competição e podendo diminuir salários, mas os nativos sempre largarão na frente, pois não esbarram nas complicadíssimas barreiras do idioma e da cultura, que são o maior percalço na vida do estrangeiro em qualquer lugar.

Por outro lado, o imigrante também é um consumidor, logo estimula a economia e leva a um alargamento da demanda por trabalho. Segundo um estudo publicado pelo Escritório Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, cada imigrante cria 1,2 novos empregos, a maioria indo para nativos. A conclusão é que imigrante não rouba emprego, pelo contrário: gera. Quem diria, hein?!

2. Os imigrantes amam o Brasil e não querem acabar com a nossa cultura, mas querem e merecem respeito

Somos um país riquíssimo culturalmente e nossas tradições são admiradas mundo afora. Além das riquezas naturais, nosso turismo é eminentemente cultural. Não seria diferente com quem ruma ao Brasil fugindo de uma realidade difícil e buscando reconstruir a vida, afinal não somos um mar de oportunidades, né?!

Quem vem de fora, entretanto, tem suas próprias tradições, que demandam respeito, bem como os mais variados costumes que coexistem no Brasil, um país extremamente multicultural. Por que, então, não respeitar os de quem vem de fora?

3. A taxa de imigração no Brasil é baixíssima

Mesmo com as ondas migratórias recentes de haitianos, bolivianos e venezuelanos, por exemplo, o Brasil recebe poucos imigrantes. Eles são apenas 0,4% da população total, segundo dados da Polícia Federal.

A média mundial de estrangeiros para cada 1000 habitantes é 34. No Brasil? Somente 4 a cada 1000 pessoas não nasceram aqui. Nos EUA, são 123 e na Alemanha, 148. Quer uma realidade mais parecida? A cada 1000 habitantes da Argentina, 42 são estrangeiros. Chile e Paraguai também possuem taxas de imigrantes maiores do que o Brasil.

4. Existem muitos refugiados com formação altamente qualificada no país de origem que aqui precisam trabalhar em empregos com remuneração baixíssima

Recentemente recebi um venezuelano para auxiliá-lo a confeccionar um currículo. Ele está no Brasil desde o início do ano e recebe cerca de 1100 reais ajudando a instalar e consertar ar-condicionado, mas buscava uma remuneração maior, já que recentemente a esposa e os filhos chegaram da Venezuela também.

Ele me entregou um bolo de documentos, com os mais diversos certificados de graduação e especializações. O que ele fazia na Venezuela? Engenheiro elétrico da PDVSA, uma das maiores petrolíferas do mundo. E não é caso isolado. Já atendi economista procurando trabalho como jardineiro e gente que fala quatro idiomas trabalhando com serviços gerais. Empregos dignos, é claro, mas que não veríamos, sem espanto, ocupados por um brasileiro com a mesma formação acadêmica, apesar da alta taxa de desemprego atual.

5. Imigrante não consegue se estabelecer no Brasil sem uma rede de apoio engajada

Quem vem ao Brasil fugindo de uma situação extrema no seu país não tem tempo e dinheiro para se estabelecer, não fala o idioma, não sabe os processos para regularização de documentos e muito menos onde e como procurar um emprego. Sem uma rede de apoio que ofereça esse suporte emergencial sem custos, pode morrer de fome ou, com sorte, voltar ao seu país com uma mão na frente e outra atrás.

6. A maioria dos imigrantes deixa filhos e cônjuge no país de origem e pode passar muitos anos sem vê-los

O estrangeiro que vem ao Brasil e consegue um trabalho com limpeza ou como servente de pedreiro geralmente é um herói para a família, que aguarda ansiosamente a sua chance de vir reencontrar o familiar e fugir da situação desesperadora que ainda se encontra.

Mesmo com o Brasil em crise e 13 milhões de desempregados, você deixaria o país com uma mão na frente e outra atrás para tentar a sorte em outro lugar? Eu com certeza não. Então como não vamos ter empatia com quem PRECISA fugir de uma situação extrema e ainda por cima deixar familiares para trás, sem saber se voltará a vê-los novamente?

7. Há pouquíssimo incentivo pelo poder público em pesquisa científica sobre migração em Porto Alegre

No CIBAI, temos o professor Jurandir Zamberlam, que há 50 anos trabalha na área de mobilidade e, com recursos próprios ou de apoiadores, levanta dados e desenvolve pesquisa científica, tendo publicados diversos livros sobre agroecologia e migração. Segundo o professor, a Prefeitura de Porto Alegre e o Governo do estado utilizam de vários dos seus dados, mas não investem ou sequer incentivam as pesquisas desenvolvidas por ele e por outros pesquisadores da área.

Empatia é a pedra fundamental

Uma tecla que bato rotineiramente aqui, além da importância do diálogo, é sobre a capacidade de sermos empáticos aos problemas e necessidades dos outros.

Não consigo vislumbrar uma oportunidade maior para exercermos a empatia do que com relação a imigrantes e refugiados.

Aos cristãos: Jesus e sua família precisaram emigrar da Judeia para fugir da perseguição do rei Herodes, de acordo com a Bíblia. O Vaticano, através do Papa Francisco, estimula o acolhimento e o suporte a imigrantes e refugiados, classes de pessoas que estão entre as mais oprimidas por um mundo que pode ser bastante cruel.

Foi esse sentimento que me levou a me voluntariar ao CIBAI, proporcionando uma das maiores evoluções que vivenciei enquanto ser humano.

Nada como a prática para ensinar de verdade o que lemos nos livros, não é mesmo?!. Você tem alguma experiência parecida? Compartilhe conosco.

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